Cantor e compositor luso-brasileiro, Luca Argel concilia a atividade musical com a literária. Os seus últimos projetos artísticos interligam pesquisa histórica, ativismo político e experiências musicais que transformam os seus concertos em algo mais que esta primeira arte.
Luca Argel pisa o palco AdE, 3 de fevereiro, sexta-feira, pelas 21h30, para apresentar o seu último álbum, "Samba de Guerrilha".
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O que nasce primeiro na sua vida? A poesia ou a música?
A música, com certeza. Já era completamente apaixonado pelas aulas de música na creche, antes de aprender a ler. A poesia foi um pouco mais tarde, na adolescência. Mas ambas tiveram muito a ver com professores que tive. O meu professor de música da creche até hoje é meu amigo, e mais tarde chegamos até a trabalhar juntos. E foi uma professora de português no secundário quem me despertou o interesse pela poesia.
E a partir do momento que a poesia e música se aliam, como encontra nestas duas formas uma ferramenta de falar da história, um meio de intervenção e uma forma de educar?
A minha vontade de contar as histórias que eu acho importantes serem contadas é um impulso que eu acho que sempre tive, independente de querer transformá-las em arte ou não. Tanto que fiz meu curso para ser professor, e trabalhei como professor durante alguns anos. Hoje continuo fazendo a mesma coisa, só que usando outras plataformas, como o palco, os livros e os discos.
"O samba não é só carnaval" diz e escreve o Luca. Conte-nos o que é o samba além do carnaval?
Tanta coisa! Pra começar, o samba é uma estratégia de sobrevivência, entre os herdeiros da diáspora africana no Brasil. Ele foi todo moldado pra favorecer o encontro, as trocas, a criação de laços, de redes de apoio, em poucas palavras: a coesão das comunidades onde ele é praticado. Não estou falando só da parte musical, tem toda uma ritualística em torno do fazer tradicional do samba, que estimula essa coesão. E ela é assim por um motivo muito simples: o estado brasileiro pós-abolição queria se ver livre daquelas pessoas. Queria um país completamente branqueado. E sozinhas era muito mais difícil pra elas resistir. Mas unidas em torno de práticas simbólicas como o samba (ou a capoeira, ou as religiões de matriz africana) essas comunidades se afirmavam como sujeitos ativos, capazes de criar, de ocupar espaços, de se fazer ouvir, e, portanto, sujeitos muito mais difíceis de se “apagar”. Era literalmente uma questão de sobrevivência.
Em "Desde que o samba é samba" (1993) de Gilberto Gil e Caetano Veloso ouvimos "O samba ainda vai nascer / O samba ainda não chegou". Considera que o samba, passados 30 anos desde o lançamento da música, já nasceu, já chegou?
Ainda não, embora há mais de cem anos o samba esteja continuamente nascendo e renascendo. Nessa canção eu acho que o samba é uma metáfora para aquilo que ele representa pro Brasil: um ideal de beleza, que não é só estética, é política também. A beleza de uma sociedade plural e igualitária, um país que cumpra todo esse seu potencial de beleza. Essa seria a verdadeira apoteose do samba. E ela ainda não chegou.
O espetáculo "Samba de Guerrilha" é muito mais do que um concerto. Pode falar um pouco sobre as multiplicidades ou como se desdobra o "Samba de Guerrilha", tanto no espetáculo, como fora dele?
O “Samba de Guerrilha” é um projeto multidisciplinar. Em palco nós temos a banda, tocando as músicas, é claro, mas temos também a Nádia, que vai conduzindo a história que contextualiza cada música. E por trás de tudo isso, temos as ilustrações do António Jorge Gonçalves projetadas, que complementam visualmente a narrativa. Depois, saindo do espetáculo, as pessoas ainda podem encontrar o “Samba de Guerrilha” em outros formatos. Há o álbum, há o jornal ilustrado, e na internet ainda há uma série de programas de rádio que eu gravei à volta de alguns assuntos e de alguns compositores do samba.
Este "Samba de Guerrilha" tem 3 atos. O que determina cada ato?
Essa divisão por atos não corresponde muito bem a uma ordem cronológica, nós vamos o tempo todo pra frente e pra trás no tempo. Eu gosto de pensar neles como núcleos temáticos. Um é mais focado em identidades e ancestralidades; outro foca na relação conflituosa entre aquelas comunidades da diáspora africana e o estado brasileiro; e ainda outra sobre como o samba foi capaz de processar essas histórias e escrever a sua própria. Mas confesso que mesmo pra mim é difícil distinguir quando começa um e quando termina o outro!
Para si, as sextas são especiais. E o espetáculo do Luca, no Auditório de Espinho | Academia, 3 de fevereiro, é, precisamente, numa sexta-feira. Vai ser uma noite especial?
Vai ser especialíssima. Estarei com minha roupa branca, como toda sexta-feira, e com o coração aberto pra todas as emoções que esse espetáculo desperta. Tenho certeza que todos que vierem vão se emocionar muito também.
Será, assim, uma sexta especial, uma sexta de samba, de lutas e opressões, de história narrada, e música ilustrada.
Os bilhetes para este concerto estão à venda aqui ou na bilheteira local, na Academia de Música de Espinho.